O cheiro de café fresco contagiava toda a casa e me acordava. Sentia algo aquecido, mas não entendia o que era. Eu mal sabia que aquelas manhãs brilhantes eram felizes.
Eu poderia escrever milhões de coisas sobre mim mas nada faria sentido, pois o que realmente faz sentido é a efemeridade e a fugacidade das pessoas, das coisas. Talvez a grande magia de ser, seja simplesmente não ser.
Para ir do paraíso ao inferno não precisa de muito. Quanto mais alto se voa, maior é o tombo, mais tempo demorará pra colar os pedaços de asa e conseguir voar novamente.
Eu não nasci em dia de lua cheia e nem com constelações explícitas no céu.
"Meu coração é um bordel gótico em cujos quartos prostituem-se ninfetas decaídas, cafetões sensuais, deusas lésbicas, anões tarados, michês baratos, centauros gays e virgens loucas de todos os sexos." (Caio F. Abreu)
"Os dragões não conhecem o paraíso, onde tudo acontece perfeito e nada dói nem cintila ou ofega, numa eterna monotonia de pacífica falsidade. Seu paraíso é o conflito, nunca a harmonia."
"Mas também às vezes, a Noite é outra: sozinho, em postura de meditação (será talvez um papel que me atribuo?), penso calmamente no outro, como ele é: suspendo toda interpretação; e desejo continuar a vibrar (a obscuridade é transluminosa), mas nada quero possuir, é a noite do sem-proveito, do gasto sutil, invisível; estoy a oscuras: eu estou lá, sentindo simples e calmamete no negro interior do amor." (Rolando Barthes)
"... cabelos tão negros rosto quase quadrado, quase largo, quase pálido, onde já começou a devastação, olhos perdidos, boca de naufrágio vermelho pesado, olho tudo isso que vejo e não tem outra magia além dessa, a de ser real, e vou dizendo lento, como quem tem medo de quebrar a rija perfeição das coisas, e vou dizendo leve, então, no teu ouvido duro, na tua alma fria, e vou dizendo louco, e vou dizendo sem pausa - gosto muito de você gosto muito de você gosto muito de você."
"A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta por nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento perante elas"
"Compreendi que todo mundo é desse jeito, dúbio, capaz de achar duas coisas tão opostas sobre um mesmo acontecimento. Estamos todos, eu, você, desfilando sob o crivo dessa oscilação de opiniões, que no fim pouco importam. Por significarem a mesma coisa. O maravilhoso e o horroroso, tanto em nós quanto nos outros, convivem em choque constante. Não havendo motivo para querermos parecer um ou outro."
"Sirva-se de mais um drinque, a felicidade não estará no gelo, mas quem sabe? Aliás, quem sabe não a encontra no próximo gole? Lembre-se, também, de sorrir quando acenderem o teu cigarro e de não deixar a chama iluminar o descaso que você tem em viver."
"Os magnetismos das pessoas cruzam-se e descruzam-se, acho, meio que aleatoriamente, por algum tempo, por nenhum tempo, por muito tempo. É mais complexo que isso, mas anyway: não deve doer. E não deve porque no fundo não tem importância, como todo o resto. É puro maya, ilusão."
"Como se eu estivesse por fora do movimento da vida. A vida rolando por aí feito roda-gigante, com todo mundo dentro, e eu aqui parada, pateta, sentada no bar. Sem fazer nada, como se tivesse desaprendido a linguagem dos outros. A linguagem que eles usam para se comunicar quando rodam assim e assim por diante nessa roda-gigante. Você tem um passe para a roda-gigante, uma senha, um código, sei lá. Você fala qualquer coisa tipo 'bá', por exemplo, então o cara deixa você entrar, sentar e rodar junto com os outros. Mas eu fico sempre do lado de fora. Aqui parada, sem saber a palavra certa, sem conseguir adivinhar. Olhando de fora, a cara cheia, louca de vontade de estar lá, rodando junto com eles nessa roda idiota - tá me entendendo, garotão?"(Caio Fernando Abreu)
"Tão irritante ser lembrado da própria fragilidade no ventre do janeiro tropical, quase expulso do Paraíso que a duras penas conquistara desde sua temporada particular no Inferno."
"Ah Deus, que os humanos vão guardando dentro de si tudo e todos que se perdem o tempo todo sem parar, e pode doer, pode doer, eu aviso, mas não deve, não, não deve: te digo que é assim que as coisas são e o fugaz delas é a sua eternidade - não no real, mas na memória de quem lembra, e eu nem sequer entendo o que digo na manhã de domingo e chuva mansa sobre o porto minúsculo maiúsculo de que falo."
"Ajeitara o rosto da melhor maneira possível, como se o sentimento novo (e no entanto tão antigo) fosse algo a esconder. Porque ele não queria surpreender nem chocar nem ferir. Pertencia àquela estranha espécie de pessoas que flutuam pelo mundo, sutis, evitando esbarrar em qualquer coisa. Não se sabia se procedia assim por simples delicadeza ou para defender-se. O fato é que era assim. E, portanto, desagradava-lhe aquele jeito de espera gritando alto no corpo inteiro."